BLOG DO GILBERTO

ANTROPOLOGIA - ÍNDIOS - AMBIENTE

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Um pouco de descontração na antropologia brasileira - novos personagens em cena, por Manoel Ghiaroni !!


Depois de quase 10 anos de trabalho em Brasília este "blogueiro" estabeleceu residência em Maceió/AL.
Muita experiencia de trabalho e de vida. Quase 20% dos Povos Indígenas estão no nordeste brasileiro.
A seca, "a miséria S/A", o coronelismo, "voto a cabresto" e dezenas de conceitos e preconceitos (quem alguém poderia ter esquecido) estão acesos e  fazem parte desse cotidiano.
Cumprindo minha obrigação de tentar mudar esse mundo injusto e desleal, continuo no sério e prazeroso trabalho junto as comunidades indígenas nordestinas. Postarei brevemente sobre o tema.

Dando "cara nova ao blog", em primeira mão e numa mudança de lay-out,  abro espaço para um grande chargista e indigenista, colega da Funai, Manoel Ghiaroni (https://www.facebook.com/ghiarone.silva). Com certeza, serão muitas aventuras e desventuras dos seus personagens, com desque para o Lek e o Lelek. Esta dupla de espiões estadunidenses desembarcou no Brasil alguns meses antes do Rock and Rio e, inclusive, deram as dicas para o show da senhorita Beyoncé.

Vamos lá.

















segunda-feira, 11 de junho de 2012

Os Índios do Século XXI



Autor:  José Ribamar Bessa Freire

Os Índios do Século XXI  (Publicado Originalmente no Jornal Diário do Amazonas de 27 de maio de 2012) *Por José Ribamar Bessa Freire

Retirado do Blog: Casa da Cultura do Urubuí.

"Índio quer tecnologia" - berra O Globo, em chamada de primeira página (25/05). Lá está a foto de um guerreiro Kamayurá, que usa um iPhone para fotografar o terreno da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde será construída a aldeia Kari-Oca que vai sediar eventos paralelos da Conferência Rio + 20. Ele viajou de barco e de ônibus, durante três dias, com mais vinte índios do Alto Xingu, de quatro nações diferentes. Chegaram na última quinta-feira, para construir a aldeia Kari-Oca.

Na aldeia que eles vão construir formada por cinco ocas - uma delas será uma oca eletrônica hight tech - mais de 400 índios que vivem no Brasil, discutirão com índios dos Estados Unidos, Bolívia, Peru, Canadá, Nicarágua e representantes de outros países temas como código florestal, demarcação de terras, reservas minerais, crédito de carbono, clima, usinas hidrelétricas, saberes tradicionais, direitos culturais e linguísticos. No final, produzirão um documento que será entregue à ONU no dia 17 de junho.

Embora a notícia contenha informações jornalísticas, O Globo insiste em folclorizar a figura do índio. Em pleno século XXI, o jornal estranha que índios usem iPhone, como se isso fosse algo inusitado. Desta forma, congela as culturas indígenas e reforça o preconceito que enfiaram na cabeça da maioria dos brasileiros de que essas culturas não podem mudar e se mudam deixam de ser "autênticas".
A imagem do índio "autêntico" reforçada pela escola e pela mídia é a do índio nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi visto por Pedro Alvares Cabral e descrito por Pero Vaz de Caminha, em 1.500. Essa imagem ficou congelada por mais de cinco séculos. Qualquer mudança nela provoca estranhamento.

Quando o índio não se enquadra nesta representação que dele se faz, surge logo reação como a esboçada pela pecuarista Katia Abreu, senadora pelo Tocantins (PSD, ex-DEM): "Não são mais índios". Ela, que batizou seus três filhos com os nomes de Irajá, Iratã e Iana, acha que o "índio de verdade" é o "índio de papel", da carta do Caminha, que viveu no passado, e não o "índio de carne e osso" que convive conosco, que está hoje no meio de nós.
Na realidade, trata-se de uma manobra interesseira. Destitui-se o índio de sua identidade com o objetivo de liberar as terras indígenas para o agronegócio. Já que a Constituição de 1988 garante aos índios o usufruto de suas terras - que são consideradas juridicamente propriedades da União - a forma de se apoderar delas é justamente negando-se a identidade indígena aos que hoje as ocupam. Se são ex-índios, então não têm direito à terra.

Criou-se, através dessa manobra, uma nova categoria até então desconhecida pela etnologia: a dos "ex-índios". Uma categoria tão absurda como se os índios tivessem congelado a imagem do português do século XVI, e considerassem o escritor José Saramago ou o jogador Cristiano Ronaldo como "ex-portugueses", porque eles não se vestem da mesma forma que Cabral, não falam e nem escrevem como Caminha.
O cotidiano de qualquer cidadão no planeta está marcado por elementos tecnológicos emprestados de outras culturas. A calça jeans ou o paletó e gravata que vestimos não foram inventados por brasileiro. A mesa e a cadeira na qual sentamos são móveis projetados na Mesopotâmia, no século VII a. C., daí passaram pelo Mediterrâneo onde sofreram modificações antes de chegarem a Portugal, que os trouxe para o Brasil.

A máquina fotográfica, a impressora, o computador, o telefone, a televisão, a energia elétrica, a água encanada, a construção de prédios com cimento e tijolo, toda a parafernália que faz parte do cotidiano de um jornal brasileiro como O Globo - nada disso tem suas raízes em solo brasileiro. No entanto, a identidade brasileira não é negada por causa disso. Assim, não se concede às culturas indígenas aquilo que se reivindica para si próprio: o direito de transitar por outras culturas e trocar com elas.

Foi o escritor mexicano Octávio Paz que escreveu com muita propriedade que "as civilizações não são fortalezas, mas encruzilhadas". Ninguém vive isolado, fechado entre muros. Historicamente, os povos em contato se influenciam mutuamente no campo da arte, da técnica, da ciência, da língua. Tudo aquilo que alguém produz de belo e de inteligente em uma cultura merece ser usufruído em qualquer parte do planeta.

Setores da mídia ainda acham que "índio quer apito". Daí o assombro do Globo, com o uso do iPhone pelos Kamayurá, equivalente ao dos americanos e japoneses se anunciassem como algo inusitado o uso que fazemos do computador ou da televisão: "Brasileiro quer tecnologia".
O jornal carioca, de circulação nacional, perdeu uma oportunidade singular de entrevistar integrantes do grupo do Alto Xingu, como Araku Aweti, 52 anos, ou Paulo Alrria Kamayurá, 42 anos, sobre as técnicas de construção das ocas. Eles são verdadeiros arquitetos e poderiam demonstrar que "índio tem tecnologia". O antropólogo Darell Posey, que trabalhou com os Kayapó, escreveu:
“Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição cria uma “ponte ideológica” entre culturas, que poderia permitir a participação dos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção de um Brasil moderno”.

Esses são os índios do século XXI. A mídia olha para eles, mas parece que não os vê.

* Postado por Maiká Schwade no blog Casa da Cultura do Urubuí.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mapa Genealógico Terra Indígena Mbiguaçu SC - 2011

(via Pluridoc)

de Viviane Vasconscellos; Diogo de Oliveira



Resumo em Português: Este estudo trata das formas pelas quais os índios Guarani sentem, conhecem e aprendem expresso pela noção de arandu, uma forma de conhecimento sensível que permite a capacidade de “sentir o tempo-espaço ao longo da experiência no clima-mundo”. Tomando o substantivo nhembo’ea, “fazer-se em palavras”, é interpretado como os processos de aprendizagem e a circulação de saberes que é praticada entre os Guarani como uma forma de rezo-oração. Eu convivi com a família de um casal de xamãs (karai) no aldeamento Tekoa Y’? Morotch? Vera (TI Mbiguaçu/SC). O fio condutor metodológico, guiado pelo termo oguerodjera, “criar-se a si mesmo no curso da própria evolução”, foi experienciar o arandu através da participação sensorial. Na primeira parte do estudo verso sobre a presença Guarani no litoral catarinense, especialmente da ocupação de famílias Chiripá e Pa? no sul do Brasil desde o final do século XIX. Apresento um histórico da família estudada e sua iniciativa pela proteção e salvaguarda do patrimônio cultural da etnia. Relaciono esta atividade ao papel histórico do xamã entre os Guarani como líder político e religioso da família, na qual atua como nucleador de resistência da identidade grupal. Na segunda parte, sistematizo minha experiência no arandu com notas sobre a cosmologia solar e o sistema de atribuição das “almas-nome” enquanto categorias construtoras da noção de pessoa na qual nomos e cosmos são co-extensivos. A organização cosmo-espacial é explorada por meio da liderança do casal de xamãs nas atividades cotidianas e nas práticas agrícolas da aldeia. A realização dos cultivos de plantas e as relações familiares possuem um ideal de afecção e conduta regido pelo amor (mborayu), que por sua vez nutre o poder xamânico (py’a-guatchu), permitindo aos karai a reparação da ordem cosmo-social e a condução das curas. Descrevo as cerimônias religiosas e discuto o seu papel sócio-educativo entre os Chiripá, apontando que os processos terapêuticos que estão associados às curas por benzimentos xamânicos, que visam à manutenção do bem-estar psico-social do grupo. Xamanismo é o desenvolvimento de uma faculdade humana que potencializa a afetividade nas relações sociais e se expressa na atividade ritual da comunidade, constituindo o fundamento do arandu nhembo’ea praticado pelo casal de xamãs.


Palavras-chave em Português: arandu, índios Guarani, etnologia, conhecimento, agricultura, aprendizagem, experiência



Link direto: http://bit.ly/xa1IBj

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Monólogo de Natal

 Aldemar Paiva


Não gosto de você Papai-Noel...
Também não gosto desse seu papel
De vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
Soubessem de seu ódio à humildade,
Jogavam pedras nessa fantasia!

Você, talvez, nem se recorde mais,
Cresci depressa e me tornei rapaz
Sem esquecer, no entanto, o que passou...
Fiz-lhe um bilhete pedindo um presente
E a noite inteira eu esperei contente,
Chegou o sol e você não chegou!

Dias depois, meu pobre pai, cansado,
Trouxe um trenzinho feio, enferrujado,
Que me entregou com certa hesitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
- É prá você... Papai Noel mandou -
E se esquivou contendo a emoção!

Alegre e inocente, nesse caso
Pensei que o meu bilhete com atraso
Chegara às suas mãos no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda, ele partiu,
Deu muitas voltas e meu pai sorriu
E me abraçou pela última vez!

O restou só eu pude compreender
Quando cresci e comecei a ver
Todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse a medo:
- Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro na cidade –

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
E como quem não quer abandonar
Um mimo que lhe deu quem lhe quer bem
Disse medroso: - Eu só queria ele...
Não quero outro brinquedo...quero aquele...
E por favor não vá levar meu trem –

Meu pai calou-se e pelo rosto veio
Descendo um pranto que eu ainda creio,
Tão puro e santo, só Jesus chorou.
Bateu a porta com muito ruído,
Mamãe gritou, ele não ouvidos,
Saiu correndo e nunca mais voltou!

Você, Papai Noel me transformou
Num homem que a infância arruinou,
Sem pai e sem brinquedos. Afinal,
Dos seus presentes, não há um que sobre
Para a riqueza do menino pobre
Que sonha o ano inteiro com o Natal!!

Meu pobre pai, doente, mal vestido,
Prá não me ver assim desiludido
Comprou por qualquer preço uma ilusão...
Num gesto nobre, humano, decisivo,
Foi longe prá trazer-me um lenitivo,
Roubando o trem do filho do patrão!

Pensei que viajara, no entanto,
Depois de grande, minha mãe em pranto
Contou que fora preso. E como réu,
Ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando até que Deus um dia
Entrou na cela e o libertou pro Céu!


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O “agrobanditismo” e as disputas territoriais em Mato Grosso do Sul


Márcia Yukari Mizusaki
Bem apropriado é o termo dado pelo geógrafo da USP, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, aos mecanismos utilizados por determinados agentes ligados ao campo para reafirmarem o seu poder de mando no país: agrobanditismo. Não há nome mais apropriado para qualificar os inúmeros assassinatos e violências a que têm sido acometidos os povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em especial os Guarani-kaiowá, praticados por pistoleiros e contando com o silêncio e a conivência de muitos, na questão da demarcação das terras indígenas. Em 2010, segundo dados registrados pelo CIMI, das 1.015 lesões corporais sofridas pelos povos indígenas no Brasil, 1.004 aconteceram no Mato Grosso do Sul. Das 152 ameaças de morte, 150 aconteceram no Mato Grosso do Sul. Dos 60 assassinatos, 34 no Mato Grosso do Sul. Para o ano de 2011, farão parte dessa escandalosa estatística, Teodoro Ricardi (primo dos professores indígenas assassinados em 2009), o cacique Nísio Gomes, dentre tantos outros. Apesar desses números, não é demais lembrar que esse estado não é o que possui a maior população indígena do país. Mais do que simples números, esses dados revelam a face perversa da questão agrária em Mato Grosso do Sul, onde o negócio da terra é mais importante do que a vida de seres humanos.
O assassinato, a violência e a intimidação de indígenas que lutam pela recuperação de seus territórios é situação conivente para todos aqueles que são afetados pela questão da demarcação de terras indígenas. É justamente por isso que a questão agrária coloca as pessoas em lados opostos. Terra é meio de produção e de reprodução da vida. Apropriar-se dela, na sociedade capitalista, significa ter o controle sobre um meio de reprodução da vida. Estando nas mãos de poucos, como no caso brasileiro, significa que a maioria, dela está expropriada. Na sociedade capitalista, a terra virou mercadoria, fonte de lucro, renda e poder, o que vem motivando o assassinato e a violência contra aqueles que buscam (re)territorializar outros modos de vida, outras formas de se relacionar com a natureza. Por trás dos pistoleiros existem os mandantes (quase sempre impunes pelos crimes que cometeram), os coniventes e todos aqueles cujos interesses, são afetados com o movimento de luta dos indígenas pela recuperação de seus territórios. Não o fosse, a questão indígena não teria chegado nos níveis em que chegou. Ao confrontarem-se as diferentes formas de apropriação do território, elas se tensionam e acirram as disputas territoriais. Os Guarani acampam, para reivindicar suas terras tradicionais. Em reação, recebem “bala”, são barbaramente assassinados. Por trás dessas diferentes relações, encontram-se diferentes concepções de propriedade, de sociedade, de natureza. Terra para o índio é um bem sagrado e não um negócio. 
No contexto dessas diferentes formas de apropriação do território há que se acrescentar que parte das terras de Mato Grosso do Sul foram apropriadas historicamente por caminhos tortuosos e práticas ilegais, o que resulta, ainda na atualidade, na presença de 5,3 milhões de hectares de terra devoluta, segundo Ariovaldo, que o afirma com base em dados de 2003 do INCRA. Muito provavelmente existem terras tradicionais indígenas nessas áreas. E por que o Estado não desapropria essas terras? Algo precisa ser feito. Faço aqui uma provocação. O poder público, nas suas várias instâncias, todos os parlamentares e fazendeiros que se considerem honestos e do bem (e que não concordam com tais práticas), enfim, toda a sociedade, poderiam começar um movimento de luta para que as terras devolutas sejam desapropriadas e entregues para fins de demarcação de terras indígenas ou reforma agrária, pois a vida, não pode ser tratada como se fosse uma coisa apenas, uma mercadoria, que se compra, que se vende ou se descarta. A gravidade da situação pede uma atitude.
Ressalte-se ainda, que esse debate não pode ser feito sem estar atrelado a uma outra face desse processo: a questão da soberania alimentar (já que a terra está sendo tomada pelo monocultivo). Certamente, que 5,3 milhões de hectares destinados a produzir alimentos (diga-se, arroz, feijão, legumes e verduras, frutas etc.) e à demarcação de terras indígenas, seriam um bom começo para reduzirmos os problemas que envolvem os conflitos e a violência, não somente no campo, mas na cidade também.
 Enquanto isso vemos o setor sucroalcooleiro brigando na justiça para conseguir a liberação da queima da palha da cana (prática comprovadamente tida como prejudicial à saúde e que o setor insiste em legitimá-la no Estado); vemos a prefeitura de Dourados, liberando 30 mil reais para evento do setor sucroalcooleiro (CANASUL). É incrível como para o agro-negócio sempre tem dinheiro (sem entrar na questão dos bilhões liberados pelo BNDES). E a questão indígena? Sempre tratada como um problema menor, diante da lucratividade, produtividade, rentabilidade que o setor promete, apesar de não bebermos etanol e apesar de o preço do álcool estar nas alturas.
O assassinato do cacique Nísio Ramos é assim, parte constitutiva e inter-relacionada desse modelo de sociedade e de desenvolvimento que perpassa o país e o Estado de Mato Grosso do Sul, em particular. É esse modelo insustentável de desenvolvimento, que precisa de terras para o monocultivo, terras como reserva de valor, terras para apropriação da sua riqueza, água para aumentar produção de energia, que não quer terras para os índios, pois terra, como bem sagrado, atrapalha esse modelo de desenvolvimento.
Finalizo esse pequeno texto, às 00 horas e 45 minutos do dia 22 de novembro, cansada, mas movida pela necessidade de repudiar mais esse ato de violência contra esse povo. Precisamos cuidar do ambiente inteiro e não apenas de uma árvore. Também fazemos parte da natureza.
Márcia Yukari Mizusaki é professora  dos cursos de graduação e mestrado em Geografia da UFGD.  E-mail: marciamizusaki@ufgd.edu.br.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Massacre de índios Guarani Kaiowá no acampamento em Amambaí - MS


*Flávia Carolina da Costa

Ontem pela amanhã, ao abrir meu e-mail, recebi mais uma triste notícia de uma situação de violência contra um grupo indígena acampado em uma área em litígio e a espera da continuidade do processo de regularização fundiária da terra indígena. O acampamento se localiza em Amambaí, sul de Mato Grosso do Sul, a menos de cem quilômetros da fronteira com o Paraguai. O acampamento está localizado em uma pequena parte da área de ocupação tradicional chamada Guaiviry. A área esta inserida no conjunto de terras indígenas que deverão ser demarcadas no Mato Grosso do Sul. O processo de identificação destas áreas começou em 2007 e desde então vem sido repetidamente interrompido pelos conflitos políticos que o envolve. Enquanto isso, repetidos atos de assassinatos contra grupos indígenas que aguardam pela identificação e demarcação destas áreas vem ocorrendo. A situação de insegurança e medo vivido pelas populações indígenas é insustentável.  No ano passado a Survival Internacional publicou um importante relatório denunciando a situação das populações guarani no estado de Mato Grosso do Sul. Fiquei chocada com o que aconteceu e sabia que não tinha como ficar quieta, não falar nada ou fingir que estava tudo bem. Sou professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul na unidade de Amambaí, no curso de ciências sociais. Fique pensando como daria aula para os estudantes indígenas naquele dia. Então, fui conversando com os alunos, um a um, e marcamos de nos reunirmos todos para conversamos, até que eles decidiram por escrever uma carta. A carta foi escrita por eles ficando como minha responsabilidade a divulgação dela. Na carta, como vocês poderão ver, um aluno da história e morador da aldeia de Amambaí fala algo muito parecido com o que Marcos Homero Ferreira Lima, antropólogo do MPF de Dourados diz para a Survival sobre um acampamento de beira de estrada localizado as margens da BR 163 no município de Dourados. Homero diz: Não se trata de hipérbole quando se fala em genocídio, pois, a série de eventos e ações perpetradas contra o grupo, como se objetivou demonstrar, desde o final da década de 1990, tem contribuído para submeter seus membros a condições tolhedoras da existência física, cultural e espiritual. Crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a experiências degradantes que ferem diretamente a dignidade da pessoa humana. O modo de vida imposto àqueles Kaiowá é revelador de como os brancos vêem os índios. O preconceito, o descaso, o descuido, a não consideração dos direitos à terra, à vida, à dignidade são patentes. A situação por eles vivenciada é análoga àquela de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país. É como se os 'brancos' estivessem em guerra com os índios e a estes últimos só restasse a fina faixa de terra que separa a cerca de uma fazenda e a beira de uma rodovia.

A crueldade do caso envolvendo o acampamento e a truculência dos assassinos não pode ser tratada como mais um caso de violência. Estamos vivendo uma guerra de fato, mas é uma guerra que só morrem pessoas de um lado.

Segue a carta dos estudantes Guarani e Kaiowa dos cursos de ciências sociais e história. As informações contidas na carta foram recebidas por pessoas que estavam no acampamento na hora do massacre. Peço, por gentileza, que ajudem na divulgação para que possamos agregar mais gente na luta contra a violência contra os povos indígenas.

Por volta das seis horas chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em fila já chamando pelo Nísio. Eles falavam segura o Nísio, segura o Nísio. Quando Nísio é visto, recebe o primeiro tiro na garganta e com isso seu corpo começou tremer. Em seguida levou mais um tiro no peito e na perna. O neto pequeno de Nísio viu o avô no chão e correu para agarrar o avô. Com isso um pistoleiro veio e começou a bater no rosto de Nísio com a arma. Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns outros receberam tiros mas sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também. As pessoas gritavam e corriam de um lado para o outro tentando fugir e se esconder no mato. As pessoas se jogavam de um barranco que tem no acampamento. Um rapaz que foi atingido por um tiro de borracha se jogou no barranco e quebrou a perna. Ele não conseguiu fugir junto com os outros então tiveram que esconder ele embaixo de galhos de árvore para que ele não fosse morto.

Outro rapaz se escondeu em cima de uma árvore e foi ele que me ligou para me contar o que tinha acontecido. Ele contou logo em seguida. Ele ligou chorando muito. Ele contou que chutaram o corpo de Nísio para ver se ele estava morto e ainda deram mais um tiro para garantir que a liderança estava morta. Ergueram o corpo dele e jogaram na caçamba da caminhonete levando o corpo dele embora.

Nós estamos aqui reunidos para pedir união e justiça neste momento.
Afinal, o que é o índio para a sociedade brasileira?
Vemos hoje os direitos humanos, a defesa do meio ambiente, dos animais. Mas e as populações indígenas, como vem sendo tratadas?
As pessoas que fizeram isso conhecem as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a demarcação da terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Então porque eles fazem isso? Eles estão acima da lei?

O estado do Mato Grosso do Sul é um dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência contra os povos indígenas. É o estado que mais mata a população indígena. Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas. Prova disso é a execução do Nísio. Quando não matam assim matam por atropelamento. Nós podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus.

E onde estão nossos direitos, os direitos humanos, a própria constituição? E nós estamos aí sujeito a essa violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas isso não aquieta a luta pela demarcação das terras indígenas. Porque Ñandejara está do lado do bom e com certeza quem faz a justiça final é ele. Se a justiça da terra não funcionar a justiça de deus vai funcionar.

Estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de ciências sociais e história e moradores da aldeia de Amambaí.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Terra Indígena Bananal: Territorialização Tapuya a materialização da presença indígena em Brasília


Por:  Frederico Flávio Magalhães


Brasília nasceu, com uma de suas principais responsabilidades de nova capital; tratar as questões relacionadas a todos os Povos Indígenas do Brasil, conforme a Constituição Brasileira que sempre manteve as atribuições da relação entre o Estado e os Povos Indígenas na alçada federal, ou seja, na responsabilidade da União. Construída em um território que antes da sua concepção, foi terra de etnias do cerrado, Brasília nunca permitiu que em seu desenho urbanístico fosse considerada a presença indígena. Ao contrário, foi orientada para negar os aspectos étnicos do seu povo. Desde o dia de sua inauguração, a visitação dos povos indígenas é muito intensa e o tratamento que desde sempre receberam na Capital foi a indiferença e o desprezo que ainda marcam sua história. A participação dos povos indígenas na construção de Brasília se faz desde o começo de sua implantação através da participação de mão-de-obra indígena. É importante a saga do Povo Fulni-Ô que partindo de Pernambuco vem participar de sua construção estabelecendo território na Capital. Como forma de resistência cultural se reorganizam culturalmente em novo território para manter a sua identidade indígena . Aqui seus Pajés se dedicam ao culto sagrado em seus rituais e manifestações religiosas ancestrais, revelando a presença indígena em contraponto histórico a propalada extinção dos povos indígenas nesta região desde os tempos da devastadora bandeira de Anhanguera. Cabe a Brasília, o reconhecimento da Comunidade Indígena Bananal, que ocupa por mais de cinquenta anos um território tradicional próximo ao Córrego Bananal, e resgatar neste momento a dívida histórica que nossa sociedade brasileira tem para com os povos indígenas. Este reconhecimento significa admitir a modernidade, marca identitária de Brasília e assumir de forma adequada a contribuição que o modo de vida indígena pode imprimir a nossa dinâmica de cidade inventada. A disseminação de princípios e valores humanos, atributos milenares das sociedades indígenas baseados na reciprocidade, solidariedade e justiça social, que somadas a vocação ecológica das comunidades indígenas, estabelecem uma relação equilibrada entre o homem e a natureza, impõem a Brasília a obrigação de assimilar um novo ordenamento urbano ao admitir a presença indígena na sua estrutura como solução para um crescimento sustentado. Reconhecer o território indígena em Brasília representa simbolicamente estar reconhecendo pelo próprio país a sua ancestralidade indígena, formadora permanente dos nossos princípios enquanto civilização autônoma. As questões territoriais relacionadas a história da presença indígena em Brasília e seus aspectos jurídicos asseguram a Comunidade Indígena Bananal a sua presença permanente na estrutura da Capital do Brasil, cabendo às instituições envolvidas, uma mudança de atitude para tratar os indígenas como brasileiros culturalmente diferenciados e brasilienses na sua cidade.

Trabalho completo em :